Alguns dias atrás comecei a estudar latim e para isso estou usando a Gramática Latina de Napoleão Mendes de Almeida. Mas, ao ler o prefácio da obra, me encantei com as opiniões e justificativas do autor sobre as razões de se estudar latim e resolvi compará-las ao estudo de outros assuntos e também à educação em geral, visto que compartilhamos opiniões semelhantes.
Escrevi esse texto de uma forma um pouco diferente do que estou acostumado a escrever, pois meu objetivo aqui era complementar o que li e compartilhar com os leitores esse precioso conhecimento.
Ele inicia falando sobre três eminentes matemáticos de renome internacional que vieram ao Brasil.
1. A Observação dos Matemáticos: Decoreba vs. Raciocínio
“Chegados ao Brasil, ficamos admirados com o cabedal de fórmulas decoradas de matemática com que os estudantes brasileiros deixam o curso secundário, fórmulas que na Itália — os três professores eram catedráticos de diferentes faculdades italianas — são ensinadas só no segundo ano de faculdade; ficamos, porém, chocados com a pobreza de raciocínio, com a falta de ilação dos estudantes brasileiros; pedimos a Vossa Excelência que na reforma que se projeta se dê menos matemática e MAIS LATIM no curso secundário, para que possamos ensinar matemática no curso superior”
Essa observação feita por eles sobre a pobreza de raciocínio de alunos brasileiros também foi feita pelo ganhador do Prêmio Nobel de Física, Richard Feynman, em sua obra: “O Senhor Está Brincando, Sr. Feynman!” (Surely You’re Joking, Mr. Feynman!):
“Depois de muito investigar, descobri que os alunos tinham memorizado tudo, mas não sabiam o que aquilo significava.”
Ele também destacou a falta de interação e discussão entre os estudantes, o que dificultava a aprendizagem colaborativa e a compreensão profunda, dando lugar à superficial “decoreba”.
2. A Conexão Latim-Matemática e a Interdisciplinaridade
“2 — O professor Albanese costumava dizer — e muitas pessoas são disto prova — ‘Dêem-me um bom aluno de latim, que farei dele um grande matemático’.”
Aqui está outra citação que discorre sobre a importância da interdisciplinaridade.
Penso que nos dias atuais atingimos um elevado nível de especificidade, não produzimos mais polímatas como antigamente, hoje em dia produzimos pessoas muito inteligentes somente em determinados assuntos extremamente específicos. Acredito que isso seja devido à repartição de disciplinas que as faculdades fazem, fazendo com que você foque em um determinado assunto durante todo seu mestrado, doutorado, etc. sem dar lugar a outras disciplinas também importantes, mas que não relacionadas diretamente ao seu tópico de estudo.
3. O Mito da Ausência do Latim nos EUA e a Influência Política
“4 — É também inteiramente falso educadores — assim chamados porque dentro das lutas e ambições políticas ocuparam pastas de educação ou, quando muito, escreveram livros de psicologia infantil — dizerem que — estas palavras foram proferidas numa sessão da comissão de ‘diretrizes e bases do ensino’, comissão nomeada para cumprimento do artigo 5, inciso XV, d, da constituição federal — ’nos Estados Unidos da América, país que ninguém nega estar na vanguarda do progresso, não se estuda latim’.
Felizmente, nessa mesma reunião, a desastrada afirmação não ficou sem resposta; um dos membros da comissão não se fez esperar: “Como não se estuda? É fácil provar; peçamos de diversos estabelecimentos americanos — de diversos, porque a programação do ensino secundário aí não é única como no Brasil — o programa, que veremos a verdade”. Dias e dias decorreram, e nada de programas; interrogado, o ’educador’ respondeu que não tinham chegado; um dia, porém — não sei de quem foi maior a distração — o defensor do latim examina uma gaveta, esquecida aberta, e aí vê, guardadas ou escondidos, os programas solicitados, e em todos eles o latim rigorosamente exigido.
Esse ’educador’ era, a esse tempo… presidente de uma seção estadual de partido político.”
Nessa parte, percebemos o quanto nossa educação está aos moldes da educação estadunidense, a qual John Taylor Gatto, reconhecido professor de Nova Iorque, em seu livro “Emburrecimento Programado” provou ser falha e repleta de erros graves, os quais podem ser nitidamente observados também no ensino brasileiro.
Futuramente farei um artigo especificamente sobre esse tema.
4. Latim, Desenvolvimento da Inteligência e a Distração Estudantil
“5 — Não encontra o pobre estudante brasileiro quem lhe prove ser o latim, dentre todas as disciplinas, a que mais favorece o desenvolvimento da inteligência. Talvez nem mesmo compreenda o significado de ‘desenvolver a inteligência’, tal a rudeza de sua mente, preocupada com outras coisas que não estudos.
O hábito da análise, o espírito de observação, a educação do raciocínio dificilmente podemos, pobres professores, conseguir de um estudante preocupado tão só com médias, com férias, com bolas, com revistas.”
Aqui vemos outro ponto de que falo bastante, a preocupação do aluno com outras coisas que não estudos, e a morte da intelectualidade incutida nos dias atuais. Não estou dizendo que o aluno só deva pensar em estudos, ele deve fazer outras coisas que não estudar, essas também são fundamentais para a excelência intelectual. Porém essas não devem tomar o lugar do estudo, é importante que o estudo não seja negligenciado e nem suprimido por nenhuma dessas outras atividades. Atividades essas como revistas, bolas, celulares, e as tão superestimadas médias.
Os alunos focam somente nelas, as médias, pois com elas eles adquirem um “certificado” de que supostamente “entenderam” tal assunto e de que não é mais necessário estudá-lo. Eles tem como propósito do estudo atingirem boas notas, e não o pleno entendimento. Discorri um pouco sobre isso no meu mais recente artigo sobre a sociedade do cansaço, onde essa cultura de valorizar resultados quantitativos está sendo pregada por sujeitos de desempenho. Clique aqui para ler
5. Educar vs. Ensinar: O Papel do Professor
“Muita gente há, alheia a assuntos de educação, que se admira com ver o latim pleiteado no curso secundário, mal sabendo que ensinar não é atuar e educar não é ensinar. É ensinar dar independência de pensamento ao aluno, fazendo com que de per si progrida: o professor é guia. É educar incutir no estudante o espírito de análise, de observação, de raciocínio, capacitando-o a ir além da simples letra do texto, do simples conteúdo de um livro, incentivando-o, animando-o. No fazer do estudante de hoje o cidadão de amanhã está o trabalho educacional do professor.”
Acho que nem preciso falar nada sobre essa citação, ela por si só já excelente e aborda qual é a função do professor e a definição de educar.
6. O Propósito do Estudo: Além da Cultura Superficial
“Ser culto não é conhecer idiomas diversos. Não é o conhecimento do inglês nem do francês que vem comprovar cultura no indivíduo. Tanto marinheiro, tanto mascate, tanto cigano há a quem meia dúzia de idiomas são familiares sem que, no entanto, possuam cultura.
Não é para ser falado que o latim deve ser estudado. Para aguçar seu intelecto, para tornar-se mais observador, para aperfeiçoar-se no poder de concentração de espírito, para obrigar-se à atenção, para desenvolver o espírito de análise, para acostumar-se à calma e à ponderação, qualidades imprescindíveis ao homem de ciência, é que o aluno estuda esse idioma.”
Muitos desejam estudar e virar intelectuais apenas para adquirirem certa fama e prestígios de tais. Não é para isso que o estudo deve servir, assim como diz o autor na citação, no caso sobre o latim mas que também serve para o estudo, sobre para que o aprendizado deve servir. Não estude para ser visto como alguém que estude, estude para elevar sua alma e sabedoria a níveis nunca antes vistos.
7. A Fatuídade da Geração Atual e a Falta do Hábito de Pensar
“7 — Muitos indagam a razão da fatuidade, da leviandade, da aridez intelectual da geração moça de hoje. É que, tendo aprendido a ler pelo método analítico, tão prático e fácil, julga o estudante que a disciplina que prática e facilidade no aprendizado não contiver não lhe terá proveito, senão tédio e perda de tempo. Acostumado a tudo assimilar com facilidade no primeiro grau, esbarra o aluno no segundo com a obrigação de pensar, e ele estranha, e ele se abate, e ele se rebela. O menino que no primeiro grau era o primeiro da classe passa para lugar inferior no segundo; perda de inteligência, diferença de idade? Não: falta de hábito de pensar. O que no primeiro grau estava em quinto, em décimo lugar passa no segundo às primeiras colocações; aquisição de inteligência? Também não: pensamento mais demorado, mais firme por isso mesmo, sobrepuja agora os colegas de intelecto mais vivo, vivo porém tão só para as coisas objetivas e de evidência.
Raciocinar é, partindo de idéias conhecidas, diferentes, chegar a uma terceira, desconhecida, e é o latim, quando estudado com método, calma e ponderação, o maior fator para aguçar o poder de raciocínio do estudante, tornando-lhe mais claras e mais firmes as conclusões.”
A razão para a fatuidade da geração moça de hoje. Diagnóstico certeiro, onde alunos pensam que pela facilidade de aprender também vem a qualidade do aprendizado. Pelo contrário, o raciocínio demanda esforço, tempo e pensamento.
8. A Ignorância Política sobre Educação e Cultura
“8 — O que é certo, inteiramente certo, é não conhecerem alguns homens que nos representam no congresso o que é educação, o que é cultura. Fato ocorrido não há muito tempo vem prová-lo.”
Sobre a importância de se eleger bons representantes políticos, caso contrário pode se esquecer as esperanças de uma educação melhor.
9. O Efeito Transformador do Latim (e do Estudo)
“A questão não é o que os meninos vão fazer do latim, mas o que o latim vai fazer dos meninos: The question is not what your boy will do with Latin, but what Latin will do for your boy, dizia com o bom senso pachorrento e inato de sua gente o senador Arnold.”
Não é o que os alunos vão fazer com o estudo, mas o que o estudo vai fazer dos alunos.
10. Evitando o Eruditismo Estéril
“‘Para nós — são palavras do eminente educador, padre Augusto Magne — o que interessa no latim é sua literatura, sua virtude formadora do espírito. Desviar o estudo do latim para a especialização em questiúnculas de pronúncia reconstituída é desvirtuar aquela disciplina e tirar-lhe seu poder formador para recair no eruditismo balofo, pretensioso e estéril.’”
Por fim, não devemos desviar o estudo para “especialização em questiúnculas de pronúncia” ou melhor dizendo, coisas superficiais. Não permita que a disciplina seja desvirtuada e o eruditismo transformado em balofo, pretensioso e estéril.
Sapere aude.
Bibliografia
- Feynman, R. P. (1985). O Senhor Está Brincando, Sr. Feynman! (R. Leighton, Ed.). Editora da Universidade de Brasília
- GATTO, John Taylor. Emburrecimento programado: o currículo oculto da escolarização obrigatória. Tradução de Leonardo Araujo. Campinas, SP: Kírion, 2019. 136 p. ISBN 978-85-94090-30-0.
- ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina: curso único e completo. 29. ed. 4. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2004.