Ler qualquer livro é melhor que não ler nenhum?


Faz certo tempo que ando percebendo uma crescente onda de influenciadores digitais focados em leitura e livros, em si. Geralmente os livros lidos e recomendados por eles são obras de consumo que são facilmente digeridas e não possuem profundidade de conteúdo, ou para alguns, a literatura “Fast-Food”. Mas será que somente a leitura desses livros é suficiente? Ler qualquer livro é melhor que não ler nenhum? Bom, vamos tentar encontrar as respostas para esses questionamentos usando um campo de estudo que a cada dia ganha mais popularidade: a Neurociência.

Benefícios Gerais da Leitura

Praticamente qualquer tipo de leitura já é suficiente para ativar certas regiões do cérebro, sejam elas relacionadas à linguagem, memória e até imaginação, fortalecendo conexões neurais e promovendo um mecanismo que permite que o cérebro se “auto modifique”, a neuroplasticidade (Izquierdo, 2006).

Além disso, um estudo de 2018 (Kourkouta & Vakalopoulou) comprovou que a leitura reduz os níveis de um hormônio relacionado ao estresse, o cortisol. Outros benefícios podem incluir a expansão do vocabulário (Huettig & Pickering, 2019) e a melhora no sono — quem nunca pegou um livro para ler antes de dormir? — , especialmente quando se lê em livros físicos, em contraste com a luz azul emitida por dispositivos digitais (Chang et al., 2015).


📚 Livros “Fast-Food”

A ficção popular ativa a rede de default mode network(DMN) — não se preocupe com os nomes — frequentemente associada à simulação mental de experiências alheias, aprimorando a empatia. Estudos de ressonância magnética — um exame de imagem que produz imagens detalhadas do interior do corpo humano — mostram que a leitura de narrativas imaginativas aumenta a atividade no córtex pré-frontal medial, região ligada à geração de cenários alternativos e à criatividade (Mar et al., 2006).

Aliás, a leitura de livros leves reduz a atividade da amígdala cerebral — uma estrutura no formato de uma amêndoa, associada a regulação emocional -, promovendo relaxamento mental(Erk et al., 2010).


📖 Livros Profundos e Pensamento Crítico

Textos complexos, como aquele clássico literário ou obra filosófica, exigem integração entre o córtex pré-frontal dorsolateral — responsável pela análise — e o giro frontal inferior — envolvido no processamento semântico. Essa atividade cerebral aprimora o pensamento crítico e a capacidade de reflexão (Kidd & Castano, 2013).

Ademais, textos filosóficos promovem a formação de chunks na memória de trabalho, reorganizando informações em blocos significativos (Baddeley & Hitch, 1974).


🔍 Diferenças Neurológicas Entre Gêneros

A ficção literária ativa o sulco temporal superior, crucial para inferências sociais e empatia (Mar et al., 2006). Por outro lado, a não-ficção fortalece o giro angular esquerdo, associado à integração de informações factuais e ao aprendizado técnico (Gabriel et al., 2016). A leitura rápida, como a praticada em redes sociais, reduz a ativação do córtex temporal ventral, essencial para a compreensão profunda (Wolf, 2018). Em contraste, a leitura lenta de clássicos aumenta a espessura cortical no córtex occipito-temporal, melhorando o processamento linguístico (Dehaene, 2009).


⏳ Evidências de Longo Prazo

Sabe aquele amigo(a) viciado em ler? Bom, agora você pode dizer para ele que leitores assíduos desenvolvem 15% mais conexões na substância branca do cérebro — tecido que conecta as diferentes regiões do cérebro -, criando uma “poupança neural” que protege contra o envelhecimento cerebral (Shafto et al., 2014). Estudos longitudinais, como o de Wilson et al. (2013), mostram que idosos que leem semanalmente têm 32% menos risco de desenvolver demência.

Uma pesquisa recente publicada na Nature Mental Health (Bartrés-Faz et al., 2024) revelou que adultos com alto propósito na leitura — como o engajamento com filosofia — têm córtex pré-frontal mais espesso, um indicador de saúde cerebral.


🎯 Conclusão

Concluindo, a relação entre o conteúdo dos livros que lemos e os benefícios da leitura é complexa e multifacetada. Por exemplo, a leitura de livros “Fast-Food” traz ganhos emocionais e relaxamento, enquanto obras profundas estimulam o pensamento crítico e a saúde cerebral a longo prazo, além de possivelmente servir de repertório para o ENEM aos vestibulandos de plantão.

Qual a resposta então? Equilíbrio. Como quase tudo na vida, o equilíbrio entre dois tipos de leitura é o segredo para maximizar o proveito. A neurociência confirma que:

  • Romances populares estimulam a ínsula anterior, ligada às emoções (Erk et al., 2010).
  • Textos complexos reforçam o córtex cingulado anterior, relacionado à tomada de decisões éticas (Gabriel et al., 2016).

Portanto, a combinação de ficção (para empatia) e não-ficção (para análise) potencializa a conectividade do corpo caloso, integrando os hemisférios cerebrais e promovendo um cérebro mais saudável e versátil.


📚 Referências Bibliográficas

  1. Baddeley, A. D., & Hitch, G. (1974). Working memory. Psychology of Learning and Motivation, 8, 47–89.
  2. Bartrés-Faz, D., et al. (2024). Psychological profiles and brain health in aging. Nature Mental Health, 2(1), 45–58.
  3. Chang, A. M., et al. (2015). Evening use of light-emitting eReaders negatively affects sleep. PNAS, 112(4), 1232–1237.
  4. Dehaene, S. (2009). Reading in the brain: The science and evolution of a human invention. Viking.
  5. Erk, S., et al. (2010). Cognitive emotion regulation in major depression. Journal of Neuroscience, 30(47), 15726–15734.
  6. Gabriel, R., et al. (2016). The cognitive benefits of reading literature. Trends in Cognitive Sciences, 20(8), 585–587.
  7. Huettig, F., & Pickering, M. J. (2019). Literacy advantages beyond reading. Trends in Cognitive Sciences, 23(6), 464–475.
  8. Izquierdo, I. (2006). Memória. Artmed.
  9. Kidd, D. C., & Castano, E. (2013). Reading literary fiction improves theory of mind. Science, 342(6156), 377–380.
  10. Mar, R. A., et al. (2006). Bookworms versus nerds. Journal of Research in Personality, 40(5), 694–712.
  11. Shafto, M. A., et al. (2014). The Cambridge Centre for Ageing and Neuroscience (Cam-CAN). BMC Neurology, 14(1), 204.
  12. Wilson, R. S., et al. (2013). Life-span cognitive activity, neuropathologic burden, and cognitive aging. Neurology, 81(4), 314–321.
  13. Wolf, M. (2018). Reader, come home: The reading brain in a digital world. HarperCollins.

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